Flavia G. B. Borges
(UFMT)
Aprendizagem de língua e identidade: um estudo sobre construção de identidade(s) em segunda língua
A aprendizagem de segunda língua está atravessada por diversos fatores, como afetividade, familiaridade com a cultura, idade e proximidade linguística. Neste sentido, este trabalho se insere dentro dos estudos decoloniais (Grosfoguel, 2007; Souza Santos, 2007) e do campo de estudos da Linguística Aplicada Crítica, especificamente os estudos sobre Letramentos Críticos e Aquisição de Segunda Língua (Street, 1984, Barton, 2007, Leffa e Irala, 2014, Signorini,1998, Rajagopalan, 1998) e faz parte da pesquisa “A Língua Portuguesa e eu: ensino de língua e identidade linguística”, desenvolvida em uma universidade pública brasileira. O estudo toma como pressuposto o conceito de língua pluricêntrica (Mendes, 2016) e de que as identidades são não pacíficas, múltiplas, construídas pela língua e experiências e resultam num outro, no caso, no estrangeiro. Partiu-se das vivências e relatos dos estudantes estrangeiros sobre a vida em uma cidade estranha, com povo, costumes e línguas diferentes, a partir da experiência de intercâmbio em uma universidade pública brasileira e diversas práticas culturais que envolvem o universo acadêmico. Os participantes do estudo são 28 estudantes, oriundos de 10 países da América Latina, que começavam cursos de doutorado (4) e mestrado (24), por meio de acordos como PAEC-OEA. Em termos de língua materna, 4 tinham crioulo haitiano e 24 eram falantes de espanhol. Havia casos de bilinguismo nativo, como guarani/espanhol, crioulo haitiano/francês. E a maioria dominava também o inglês. Neste sentido, era um grupo multilíngue e multinível em relação ao português como segunda língua, pois 9 participantes já haviam estudado português antes do ingresso no Brasil. Metodologicamente, o estudo partiu da hipótese de que aprendizagem de segunda língua está atravessada por uma questão cultural e subjetiva, que revela pontos de tensão e relaxamento na construção da identidade linguística. Dessa forma, como geração de dados, foi solicitado aos estudantes que respondessem um questionário online que objetivou traçar o perfil dos participantes. Também, como parte das atividades, foi solicitada a produção de um texto escrito, a partir de uma proposta: “Como é viver fora da sua língua?”, entendendo que era necessário “gerar identidades”. Em termos de resultados, foi possível desenhar 8 traços identitários, quais sejam fala/oralidade; liberdade/viver em outro país; língua/proximidade linguística; língua materna; aprendizagem; dificuldade; multilinguismo e estrangeiro. A análise dos poemas não considerou aspectos da estrutura da língua portuguesa, no entanto foi validado o esforço para se escrever em português, apesar de o tema ser tão subjetivo. Assim, os poemas revelaram tensões de viver fora da língua, principalmente, sobre práticas culturais de lá versus práticas culturais daqui; língua daqui versus língua de lá; aspectos de distanciamento cultural, como em: “meus cumprimentos são estranhos/a gente percebe que sou estrangeiros e/ de verdade sou estranho”. Este trecho revela que, mesmo sabendo a língua, a realidade das práticas sociais ainda causava distanciamento para este sujeito sentir-se pertencente, inserido. Outros resultados também mostraram a vontade e esforço de aprender a língua, como em: “Viver fora da minha lingua/ vai sendo uma grande aventura”. A análise dos resultados revelou diversos aspectos interculturais sensíveis que precisam ser considerados na prática em sala de aula, desde o material didático quanto os conteúdos a serem ensinados. Foi possível perceber que a língua, em seu ensino-aprendizagem, não é monolítica, e o sentido se constrói em uma relação situada, conforme MONTE MÓR (2017). Dessa maneira, o estudo pretende contribuir para o entendimento mais amplo de uma identidade de pertencimento à segunda língua em processo de ensino-aprendizagem para o fortalecimento dos estudos sobre as relações entre aquisição/aprendizagem do português como segunda língua, cultura e identidade do aprendiz.
Carla Alessandra Cursino
(UFPR)
Diálogos possíveis entre a perspectiva plurilíngue e a interculturalidade crítica no ensino-aprendizagem de português em contexto migratório
Cruzar as fronteiras e adentrar em um novo território são apenas os primeiros passos da longa jornada do sujeito que vê na migração forçada a única alternativa para uma sobrevida. Recém chegados ao país de acolhimento, esses indivíduos se deparam com uma série de barreiras de diversas ordens, sendo as linguísticas uma das maiores e mais perceptíveis. No Brasil, o ensino-aprendizagem da língua nacional tem ficado a cargo das universidades, via projetos extensionistas, de instituições religiosas e de ONGs (CURSINO, 2020). Muitos desses cursos tomam como linha teórica o PLAc – Português como Língua de Acolhimento (GROSSO, 2010). Tal perspectiva associa o domínio do idioma local à integração do indivíduo na sociedade acolhedora, o que induz professores a adotar uma postura que concede ao português brasileiro o status de única língua possível em sala de aula, dificultando ou impossibilitando a mobilização dos repertórios linguísticos e culturais do alunado. Neste contexto, o presente trabalho tem como objetivo propor uma reflexão sobre o ensino de português para indivíduos em deslocamentos forçados a partir de uma perspectiva plurilíngue e intercultural. Nosso principal intuito é de debater a importância de um giro no conceito de PLAc, saindo de uma perspectiva monolíngue; assimilacionista e apagadora de conflitos identitários (DINIZ e NEVES, 2018; ANUNCIAÇÃO, 2017; LÓPEZ, 2018) para ir na direção do uso das línguas e culturas do alunado durante o processo de acolhimento linguístico desses sujeitos.
Para dar conta de nossa proposta, primeiramente abordaremos a didática do plurilinguismo (CANDELIER et al., 2010), que se opõe à tradição monolíngue no ensino de línguas na medida em que considera que o indivíduo constrói uma competência comunicativa para a qual todos os conhecimentos e experiências linguísticas contribuem, uma vez que línguas e culturas não ocorrem separadamente, mas em interação umas com as outras. Em seguida, apresentaremos as abordagens plurais (CANDELIER et al., 2010) como alternativas metodológicas plurilíngues para cursos de português voltados ao público oriundo de migrações de crise. Daremos destaque para uma dessas metodologias, a abordagem intercultural (BYRAM, 1997), definidas como práticas que levam aos espaços educativos as dimensões culturais, interculturais e transculturais do alunado, ao invés de trabalhar apenas com as componentes linguísticas. Neste viés, o aluno coloca em cena sua bagagem linguística e cultural, bem como seus conhecimentos, a partir de encontros interculturais nos quais atua como um mediador cultural. Procuraremos, ainda, ampliar as possibilidades de atuação sob este panorama teórico-prático, relacionando-o à interculturalidade crítica (WALSH, 2009), por compreendermos a interculturalidade não apenas como uma ferramenta didática, mas, sobretudo, como um projeto político de mobilização e de construção de saberes outros.
O diálogo entre a abordagem intercultural e a interculturalidade crítica será apresentado por meio das análises das ações do projeto “Literatura de Refúgio”, desenvolvido no âmbito do Programa Política Migratória e a Universidade Brasileira (PMUB – Cátedra Sérgio Vieira de Mello) da Universidade Federal do Paraná. Nele, sujeitos migrantes / refugiados, que estão no processo de aquisição da língua portuguesa, selecionam, traduzem e apresentam poemas que versam sobre migração, exílio, refúgio e diáspora em saraus literários abertos à participação da sociedade curitibana. Analisaremos como a abordagem intercultural e a interculturalidade crítica são aplicadas nesta iniciativa e em que medida colaboram para (i) reflexão sobre as temáticas migratórias a partir da língua, da voz e da cultura do outro, em uma atitude de alteridade e (ii) valorizam línguas, culturas e epistemologias subalternizadas na lógica da colonialidade de poder, abrindo fendas para que diferentes sujeitos construam juntos, em relações muitas vezes tensas, novos saberes.
Michele Saraiva Carilo
(Ohio State University)
Pedagogias críticas e interculturas: Formação de professores de português como língua adicional em contextos plurilíngues
O presente trabalho tem como objetivo apresentar uma proposta de atualização das fundamentações teóricas que servem como base para formação de professores de Português como Língua Adicional (PLA). Ou seja, os construtos teóricos que, atualmente, informam o a formação de professores de PLA – Abordagem Comunicativa e Ensino de Línguas Baseado em Tarefas – deixaram de ser priorizados para que sejam introduzidas a Pedagogia Crítica e a Pedagogia Intercultural. Para isso, partiu-se das seguintes questões norteadoras: (1) quais são as fundamentações teórico-pedagógicas em que as disciplinas relacionadas à formação docente em línguas adicionais são baseadas?; (2) quais são os principais fatores motivadores para a escolha de tais fundamentações teórico-pedagógicas?; e (3) como o ensino de PLA pode contribuir para a inclusão e a representatividade sociocultural em contextos plurilíngues? Um questionário foi desenvolvido e aplicado a doze professores universitários de seis instituições de ensino superior ministrando disciplinas relacionadas ao estágio docente obrigatório de línguas adicionais. A partir da análise das respostas desse questionário e dos pressupostos teórico-pedagógicos interculturais e críticos, (re)pensou-se os objetivos do ensino de PLA com vistas a oferecer oportunidades mais relevantes de protagonismo aos estudantes. Considerando as principais contribuições da Pedagogia Crítica e da Pedagogia Intercultural, para a área da Linguística Aplicada (mais especificamente, Ensino e Aprendizado de Línguas Adicionais), as noções de língua, linguagem, competência linguística e cultura foram revisadas. Entre os princípios promovidos pela Pedagogia Crítica e pela Pedagogia Intercultural, encontram-se o avanço de uma educação formadora de cidadãos capazes de problematizar as hegemonias dominantes e os estereótipos socioculturais, políticos, ideológicos e linguísticos – que, muitas vezes, são encarados como naturais. Dessa forma, tais princípios buscam fomentar, através de práticas pedagógicas, o apoio, o empoderamento, a emancipação e a cidadania intercultural, cosmopolita e democrática de todas as camadas sociais marginalizadas e/ou consideradas fora do padrão por aqueles que decidem o que deve e o que não deve ser considerado representativo. Em outras palavras, a conexão entre comunidades multilíngues e multiculturais faz da sala de aula de línguas adicionais a arena ideal para que se reflita sobre pertencimento, aceitação e representação com o intuito de resistir às tentativas de homogeneização linguístico-cultural. Portanto, o desenvolvimento de um curso de formação para professores de PLA propõe módulos que focam no compartilhamento das diversas representações, interpretações, expectativas, memórias e identificações culturais dos envolvidos no processo de ensino-aprendizagem enquanto a língua alvo é usada para (re)produzir, (re)negociar e (re)construir identidades socioculturais. Além disso, encoraja-se e celebra-se a promoção de experiências pedagógicas que permitam com que a Língua Portuguesa seja, de fato, adicionada ao repertório linguístico dos estudantes e acionada durante suas participações socioculturais e político-ideológicas dentro e fora do contexto de sala de aula.
Autoras: Michele Saraiva Carilo e Cristina Perna
José Lucas Campos Antunes dos Santos
(UESC)
Rasurando a língua nacional: Amefricanidade, Pretoguês e Ensino de Português como Línguas Estrangeira
O presente trabalho propõe uma revisão do ideal homogêneo de língua nacional. Para tanto, enviesa a discussão sob uma perspectiva decolonial (ALMEIDA, 2020; GOMES, 2009) sobre a constituição política, cultural e linguística de amefricanidade (GONZALEZ, 2020) como resultado dos processos de gramaticalização do português europeu em pretoguês, ao longo do período colonial até os dias atuais. Desse modo, ao longo de duas seções desse artigo, discuto sobre o contato das línguas indígenas e africanas e o português europeu como língua estrangeira, bem como na consequente africanização da língua do colonizador durante a colônia e império. Este último período inaugura os processos de gramatização (AUROUX, 2009) da língua nacional até seu processo de internacionalização. Dessa forma, busco lançar luz sobre a ideia de língua nacional como uma amarra perpétua do laço colonial e escravocrata do projeto de modernidade e seus desdobramentos no processo de internacionalização (e ensino) do Português Brasileiro como língua estrangeira (PBLE). Para tanto, os atravessamentos históricos e culturais na formação do português brasileiro rasuram o paradigma hegemônico instalado na ideia de língua nacional, assim propõe-se uma reflexão sobre a categoria político-cultural de amefricanidade na formação do pretoguês. E a partir desse lugar afrorreferenciado de língua e cultura brasileira pensar o entre-lugar de mediação crítico-reflexiva do professor para uma postura antirracista no ensino de PBLE.
Josimar Maciel Cordeiro
(UNIR)
Descendo o Rio Madeira: Um estudo sobre letramento de ribeirinhos da comunidade Caiari
Este trabalho é parte de uma investigação, em andamento, que visa averiguar quais são as práticas de letramento que fazem parte do cotidiano de moradores da comunidade ribeirinha Caiari – Rio Madeira. Para tanto, fundamentamo-nos no arcabouço teórico dos estudos sobre letramento que concebem os usos da leitura, escrita e oralidade enquanto práticas sociais circunscritas aos contextos sócio-histórico-cultural dos sujeitos que participam de tais práticas (STREET, 2014). Segundo Soares (2012), letramento não é uma prática individual, mas um conjunto de práticas sociais relacionadas à leitura e escrita envolvidas no contexto social do indivíduo. Na mesma direção, Barton (1998) diz que o letramento, como fenômeno social, não está no texto tampouco nos sujeitos da leitura, mas no espaço entre o pensamento e o texto. Ou seja, o letramento faz parte do uso cultural da escrita de cada povo, por isso é próprio de cada comunidade em sua realidade social. Em vista disso, formulamos a seguinte indagação: Quais são as práticas de letramento de ribeirinhos da comunidade Caiari? Entendemos como práticas de letramento os comportamentos que as pessoas exercem em um evento de letramento dando sentido aos usos da leitura e escrita, levando em consideração as concepções sociais e culturais daquela particular situação (MORTATTI, 2004). Levando em consideração esses argumentos, podemos destacar que as práticas de letramento estão presentes nas mais variadas situações cotidianas, sejam em contexto urbanos ou rurais, que vão desde uma simples compra, na qual o sujeito precisa mobilizar a capacidade de verificar preços, relacionar produtos e funções, até a leitura de livros, revistas, jornais, receitas, entre outros. Diante do objetivo ora estabelecido, elegeremos para este estudo uma abordagem de natureza qualitativa (LAKATOS E MARCONI, 2011), do tipo estudo de caso, e como método para a construção de dados, questionário com perguntas abertas e fechadas. A coleta de dados ocorrerá na comunidade ribeirinha Caiari, que está localizada à margem esquerda do Rio Madeira, com distância de aproximadamente 135 km da área urbana do município de Humaitá – Amazonas. Via barco, a partir do terminal hidroviário de Humaitá, a distância se estende por mais o menos 9 horas descendo o rio Madeira. Participarão desta investigação 40 pessoas (entre homens e mulheres) com idade mínima de 18 anos, que já tenham cursado ou não a Educação Básica.
Autores: Josimar Maciel Cordeiro e Marília Lima Pimentel Cotinguiba
Romina Leonor Toranzos
(UEL)
Quíchua e espanhol nas salas de aula da Argentina: um aporte para refletir sobre as práticas linguísticas
Na Argentina, diferentes disciplinas têm-se preocupado por aspectos referidos aos estudos das práticas educativas de alunos bolivianos — muitos dos quais possuem o quíchua como língua materna — que envolvem, dentre outras questões, o silêncio evidenciado por parte das crianças e dos jovens. Além do silêncio, acontecem outras práticas linguísticas no interior das salas de aula, que tem como protagonistas as crianças bolivianas. Nesse marco, o nosso trabalho visa apontar possíveis caminhos para repensar esses silêncios, fortemente unidos a uma prática cultural, e refletir sobre a importância do papel dos educadores nesse contexto intercultural, em que se exige um domínio do espanhol a crianças que têm como língua materna uma língua indígena. O trabalho foi organizado em quatro partes. Primeiramente, introduzimos aspectos relativos à imigração boliviana na Argentina, seguido de uma breve explicação sobre a configuração da carga negativa e o preconceito que recaem sobre membros dessa comunidade. Logo, realizamos uma revisão dos trabalhos que, partindo das avaliações dos professores, abordam a questão do silêncio relacionado ao fracasso escolar, além de alguns outros trabalhos sobre os silêncios em falantes de línguas indígenas de outras comunidades (BEHERÁN, 2009; DREIDEMIE, 2015; DOMENECH, 2014; MARTÍNEZ, 2012; NOVARO, 2009). Mais tarde, sob consideração dos aportes da Sociolinguística Educacional (BORTONI RICARDO,2003; CYRANKA,2014) será apresentada uma análise das entrevistas que espelham a visão dos adultos bolivianos, no que diz respeito às suas próprias lembranças e experiências no contexto escolar argentino, bem como as experiências dos filhos, em relação aos silêncios e processos de estigmatização. Por fim, esboçamos algumas reflexões quanto a possibilidades de ação desde a formação dos educadores.
Isabella Moutinho
(UNICAMP)
Práticas de leitura e de escrita e o excesso de diagnósticos de dislexia
A Neurolinguística de orientação discursiva desenvolvida desde a década de 80 no Instituto de Estudos da Linguagem da UNICAMP se dedica ao estudo e análise das relações entre cérebro, sujeito e linguagem no âmbito da afasia e da infância. A área parte da perspectiva sócio-histórico-cultural para compreender os processos envolvidos tanto na maneira pela qual a linguagem é afetada na afasia, quanto os processos envolvidas na aprendizagem de leitura e de escrita de crianças em idade escolar a partir do funcionamento cerebral, linguístico, discursivo e sócio-histórico.
A ND abarca a concepção de Luria (1988) do cérebro como sistema funcional complexo, plástico, dinâmico, determinado pelas relações sócio-históricas. Rejeitamos uma concepção de linguagem limitada à comunicação. A linguagem, para a ND, é uma atividade constitutiva de sujeitos e de si mesma, que só ganha sentido na interlocução entre sujeitos situados em um contexto social, histórico e cultural específico. O sujeito é constituído na e pela linguagem em um processo singular de determinação sócio-histórica e, uma vez singular, é indeterminado e escapa de idealizações. A linguagem assume a função de regulação de processos psíquicos e especialização das funções psicológicas superiores. Assim, para a ND, o desenvolvimento dessas funções não é de origem biológica e sim social, de modo que nos afastamos da literatura médica que trata dos chamados “transtornos da aprendizagem”, em especial os que envolvem o aprendizado da leitura e da escrita. As pesquisas da área analisaram as avaliações clínicas e pedagógicas aplicadas às crianças que apresentavam dificuldades escolares com a leitura e com a escrita. As investigações mostraram uma tendência hegemônica em considerar as hipóteses a respeito da representação gráfica das palavras, os erros ortográficos e a escrita baseada na fala como sintomas de patologias do aprendizado, especialmente a dislexia. Esse processo, que localiza no âmbito biológico questões que são sociais, culturais e pedagógicas, a ND chama de patologização das dificuldades normais do aprendizado. Neste trabalho, apresentarei um estudo de caso que é representativo deste fenômeno: EF, uma criança de 10 anos com algumas questões relacionadas à leitura e à escrita, passou por uma avaliação clínica na qual emitiu-se um laudo de dislexia. Após este laudo, EF esteve em acompanhamento longitudinal discursivamente orientado, no qual suas dificuldades foram privilegiadas em práticas de leitura e de escrita que fizessem sentido para ele, contextualizadas e motivadoras do aprendizado.
Cecilia Farias
(USP)
Mudança de paradigma: como sair da lógica ocidental pode contribuir nos estudos sobre a ecologia linguística na Galícia, Espanha
A Galícia, comunidade autônoma no noroeste da Espanha, se caracteriza por ser um espaço sociocomunicativo com um prolongado contato entre o galego e o castelhano. Embora esse contato seja uma realidade impossível de ser ignorada, o estudo sobre as formas que emergem das interações entre falantes dessas duas línguas muitas vezes é marginalizado ou pouco levado em consideração na investigação acadêmica, tanto nas descrições linguísticas como nas políticas linguísticas locais, com as diversas atitudes puristas a elas associadas.
Encontram-se defensores da ‘purificação’ linguística em ambos os lados, isto é, tanto entre os nacionalistas espanhóis como entre os defensores da valorização da língua galega, que frequentemente criticam o uso de castelhanismos, idealizando um galego puro. A esses modos de pensar subjaz uma visão de língua como um sistema fechado, autocontido e autossuficiente que evolui segundo uma lógica interna, e o multilinguismo é visto como a sobreposição de monolinguismos paralelos (Coulmas, 2018), como se as pessoas, de acordo com a situação, desligassem uma língua e ligassem outra completamente.
Nessa perspectiva, o contato entre línguas e os fenômenos a ele associados (como a influência mútua e a hibridização) são estudados como anomalias, exceções, e não o cerne da interação humana. Essa visão legitima cientificamente as ideologias puristas da língua.
Em meu trabalho, busco mostrar como tal concepção de língua se baseia no paradigma científico e intelectual que emerge entre os filósofos europeus durante o século XVII, período ao qual se atribui o começo da Idade Moderna. A ciência da Modernidade empreende um projeto de purificação, separando cada vez mais as esferas do conhecimento, criando áreas ontologicamente distintas. No entanto, quanto mais se busca a purificação, mais proliferam as formas híbridas (Latour, 1994). Isso se deve ao recorte artificial que o ser humano fez no mundo, sendo agora forçado a juntar essas partes novamente para tentar explicá-lo. Transpondo essa discussão para a linguística, em especial à análise das línguas em contato, quanto mais separamos categoricamente os elementos linguísticos como pertencentes a uma ou outra língua/variedade, mais teremos que assumir os híbridos que emergem desse contato.
Marília Lima Pimentel Cotinguiba
(UNIR)
Joyce Palha Colaça
(UFS)